Thursday 2 August 2012

Socorro, Moçambique pode ficar rico!: (1) E depois?

Aquilo que muitos políticos moçambicanos sempre sonharam parece lentamente estar a virar realidade: os recursos naturais existem em Moçambique e podem ser explorados com bastante proveito. As recentes descobertas de enormes reservas de gáz no norte de país são, para quem ainda podia ter dúvidas, a confirmação final disso. O que isso pode significar em termos de actividade económica e interesse por Moçambique por parte de investidores estrangeiros já Tete tem vindo a mostrar. Finalmente, esperam muitos de nós, o nosso país vai deixar de decorar as estatísticas negativas mundiais, vai deixar de olhar para Angola com aquele olhar de cachorro vadio que a riqueza diamantífera e petrolífera dos nossos “irmãos” lá do Atlântico suscitava em nós e vai, ufa, se livrar dessa burocracia internacional que vive da nossa miséria e subverte constantemente o nosso processo político.

Ou vai? Nem todos os moçambicanos partilham estes cenários enebriantes dum futuro melhor que vai deixar de ser slógan. Na verdade, há receios, muitos dos quais bem fundados. Nos meios académicos utiliza-se uma expressão que resume graficamente a base destes receios: a maldição dos recursos. A expressão refere-se à situação de muitos países em desenvolvimento detentores de recursos como petróleo, gáz e minerais que resvalaram para situações de conflito – muitas vezes armado – pelo controlo desses recursos. E quando não andaram em conflitos ficaram reféns de elites políticas rapinosas, cuja necessidade de manutenção de poder a todo o custo acabou criando ordens políticas instáveis e explosivas. O continente africano está cheio de exemplos desde Angola, passando pela República Democrática do Congo até à Nigéria. Moçambique vai ter a mesma sorte?

A julgar pela forma como se comenta a racionalidade política no nosso país há muita gente que vê este perigo. Embora volte e meia as instituições financeiras internacionais que dirigem os nossos destinos nos passem atestados de bom desempenho, internamente a análise da nossa prestação – ou melhor, da prestação do governo; melhor ainda: prestação do governo da Frelimo – não tem sido positiva. Li vários comentários na internet, por exemplo, que por ocasião da passagem de mais um aniversário da nossa independência usavam linguagem negativamente forte – ladrões, corruptos, egoístas – para descrever as elites políticas no poder. Embora esta forma de comentar a acção política seja típica duma cultura de debate característicamente moçambicana – e cuja sociologia está ainda por fazer – ela revela um profundo mal-estar e desconfiança em relação à nossa capacidade – não só do governo, isto é do governo da Frelimo – de gerir esta possível riqueza repentina.

Já se multiplicam “estudos” sobre os interesses económicos do Presidente da República que dão conta do seu envolvimento em tudo que é negócio no país. Já começa a ganhar corpo e forma a ideia duma elite nacional renteira ligada ao controle do estado – no passado, nos meios académicos, falava-se de classe-estado – por via da imposição duma versão da História do país que destaca de forma desmesurada o protagonismo de certas pessoas. É estranho que a descoberta de “riqueza” não constitua necessariamente boa notícia para muitos de nós, mas apenas mais uma razão para franzirmos o sobrolho e destacarmos as qualidades mais negativas que podemos identificar no nosso tecido social e político. Somos um país deveras estranho. Mas justamente por causa disso acho que seria interessante iniciar uma reflexão sobre os desafios que esta “riqueza” nos coloca sugerindo outras formas – menos pessimistas – de abordar a sorte que nos sorri. Para o efeito, só precisamos de três coisas: sociologia, pensamento sociólogico, cidadania sociológica. Vindo de mim nenhuma dessas coisas é surpreendente. (Continua)
Colaboração: Elísio Macamo, Sociólogo.

5 comments:

  1. Interessante como coloca a situacao dos recursos naturais que Mocambique possui e as possiveis consequencias da sua descoberta e exploracao. Na verdade estamos perante duas situacoes probabilisticamente nao descartaveis, ou os recursos viram maldicao ou ainda os mesmos podem alavancar a nossa economia rumo ao desenvolvimento. Entretanto a segunda hipotese e muito duvidosa analisando a historia do pais e a situacao actual. Por isso nao querendo ser pessimista e melhor acreditar numa mudanca e ao msm tempo manter agucada duvida. E um assunto q apresenta duas faces em q a outra :-(benigna) e vista com muita descrenca. Parabns peko post.

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  2. Meu estimado Elísio,apenas um comentário. Aquelas riquezas não foram "descobertas" hoje... e segundo, continuar sonhando com o desencantamento do mundo em moçambique me parece muito arrogante. Sim, só estrangeiro, mas já faz um tempo que acompanho tuas lucubrações feitas desde o Norte privilegiado e as vezes penso que Habermas te vendeu uma batata... minhas desculpas pelo grosseiro,mas um pouco de agencia não estaria mal... atenciosamente, Hector Guerra.

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  3. caro mucavele, obrigado pelo comentário. cada uma das opções é provável. interessa reflectir no que torna uma mais provável do que a outra. neste momento tenho dificuldades em me decidir por uma. daí esta reflexão em seis momentos. fiquei curioso em saber porque a história do nosso país sugere uma leitura pessimista? abraços
    caro hector guerra, obrigado a si também pelo seu comentário. suponho que tenha razões muito fortes para emitir a sua opinião. a ideia deste blogue, contudo, é de se trocar impressões sobre os méritos de cada posição. nesse sentido, seria mesmo bom se evitasse este tipo de intervenção. não há necessidade de qualificar nenhuma atitude de "arrogante" nem de fazer insinuações sobre as minhas motivações pessoais. acho melhor que a gente discuta os méritos das posições que, por acaso, não dependem nem de nacionalidade, nem donde a pessoa vive. em relação à "descoberta" refiria-me ao simples facto de ter sido recentemente que se começou a aventar seriamente a hipótese de explorar esses recursos. já houve no passado, evidentemente, falsos alarmes. não percebi a observação sobre "continuar sonhando com o desencantamento do mundo em moçambique". abraços

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  4. Diz-se que quando Oliveira Salazar foi informado da descoberta de petróleo em Angola (já depois do início da guerra de libertação) teve a seguinte reacção: "Só nos faltava mais esta!"

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  5. e não era caso para menos... mas isso só serve talvez para mostrar que uma boa notícia pode ser má e vice-versa. a perspectiva é sempre importante.
    abraços

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