Uma coisa é certa: a nova situação que nos é criada pelo gáz e outros recursos muda completamente a língua que devemos falar para não só descrevermos os problemas do país como também pensar na sua resolução. A língua que até aqui temos vindo a falar é uma língua cheia de chavões. Trata-se de chavões provenientes da indústria do desenvolvimento e que tomaram as nossas mentes de assalto. Não me refiro aqui a vocábulos inofensivos como “participação”, “boa governação”, “populações-alvo”, “projecto” e não sei que mais. Por mais abjectos que sejam. Refiro-me a padrões de raciocínio que incutem novos significados a palavras inocentes e representam o nosso país à imagem do que ele deve ser para que a indústria do desenvolvimento nele intervenha. Com essa maneira de pensar vamos continuar lixados.
A indústria do desenvolvimento funciona segundo os padrões duma razão manipulativa. Ela define problemas que projecta sobre a nossa situação e espera que nós os adoptemos como se de nossos problemas se tratasse. A dificuldade que resulta daí, porém, é que a forma como ela define os problemas corresponde a um conjunto de soluções que só ela detém. O resultado disso é que a sua intervenção no nosso país passa a ser a razão da sua existência e condição de sua reprodução. É assim que funciona a razão manipulativa. Ela tem como função transformar o auxílio ao desenvolvimento numa empreitada permanente. Quem quiser confirmar o que escrevo aqui só precisa de analisar com cuidado o PARPA, o programa de luta contra a pobreza. Esse programa define um problema de doadores – como garantir a legitimidade do auxílio ao desenvolvimento dados os poucos resultados até aqui alcançados? – como se de nosso problema se tratasse (que as nossas elites políticas traduzem instintivamente em pobreza absoluta), mas para o qual só os doadores é que têm a solução: elevar o país ao estatuto de país pobre altamente endividado. A coisa é duma lógica perversa, mas de tanto escrever sobre isso até já me doem os dedos.
Para os efeitos desta reflexão o que interessa nesta razão manipulativa é o facto de a sua lógica de auo-reprodução precisar dum abastecimento constante de problemas. Hoje criança da rua, amanhã criança na rua, depois de amanhã criança traumatizada de guerra em meio rural, etc. Há também “mulher”, ou simplesmente “género”, “corrupção”, “legalidade”, “transparência” e, ultimamente, “indústrias extractivas” e por aí fora. Não quero dizer com isto que estes problemas não sejam reais, nem que não haja necessidade de os abordar. A questão é que a forma como eles são definidos e trazidos à discussão é mais sensível à economia política da indústria do desenvolvimento do que ao que deviam ser as prioridades do nosso contexto político. Nesta ordem de ideias, o pior que nos pode acontecer na sequência da descoberta de riqueza potencial é começarmos a pensar a distribuição dos seus rendimentos, mas também os problemas que ela nos traz em função dos chavões da indústria do desenvolvimento, tipo a exploração do gáz de não-sei-onde está a desestabilizar as relações de género nesse lugar. Aí estaremos decididamente perdidos ainda que, estou a repetir o que escrevi mais atràs, a estabilidade das relações do género no sentido normativo politicamente mais correcto deva naturalmente fazer parte do rol das nossas preocupações como comunidade.
Moçambique precisa de soluções diferentes do pensamento que produziu os problemas. Estou a parafrasear Albert Einstein. O nosso país hoje não é resultado das políticas mal dirigidas, ou bem pensadas, dos seus governos. Ela é o produto de toda a intervenção que nele foi feita ao longo dos últimos anos. Essa intervenção teve um fio condutor nos chavões da indústria do desenvolvimento. Pois, esses chavões precisam de ser ultrapassados e isso exige maior imaginação da parte de quem quer reflectir criticamente sobre a caixinha de surpresas que é o nosso futuro, com ou sem gáz.
Colaboração: Elísio Macamo, Sociólogo.
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