Tuesday 7 August 2012

Socorro, Moçambique pode ficar rico!:(3) A vida real não é um filme

Muitos de nós lembram-se duma cena qualquer num filme que decide o desfecho. Por exemplo, durante a luta final entre o heroi do filme – a rapaz wa filme como se diz em changana – e o vilão (estou a pensar num filme indiano) o heroi recebe um soco, cai para trás, vira a cabeça e vê um pau bem gordo que ele depois utiliza para desferir o golpe fatal sobre o seu adversário. E o filme acaba. Muitos de nós somos tentados a pensar que se o heroi não tivesse caído e visto aquele pau ali o desfecho teria sido outro. Em alguns casos isto até pode gerar discussão fora da sala de cinema. Acontece no futebol também. Se o defesa esquerdo dos Mamba não tivesse escorregado, o adversário não teria apanhado a bola que depois cruzou para o interior da pequena área onde o ponta-de-lança adversário fez o golo de cabeça. Mesmo na vida real. Alguém que sai de casa para o serviço mais cedo do que o costume e tem um acidente. Se não tivesse saído àquela hora... Na verdade, o acidental não só é fatídico na vida como também sua parte integrante.

Pois bem, se o heroi do filme não tivesse visto aquele pau, o filme teria sido outro. Não teria sido o mesmo filme. O mesmo se pode dizer em relação ao jogo de futebol e ao acidente por se sair cedo de casa. Há, contudo, algumas diferenças instrutivas. Primeiro, o filme, à diferença do jogo de futebol e das cenas do quotidiano, acontece de acordo com uma história escrita e fechada antes mesmo do filme começar. O que acontece no filme acontece porque o realizador quer que aconteça no momento e na sequência em que acontece. Não é possível alterar detalhes do filme sem que ele perca a sua identidade. Tira-se o pau do lugar onde o heroi vai cair o filme deixa de ser Sacrifício de Amor em Mumbai para ser Amor Sacrificado em Madras. Um bocadinho complicado é o jogo do futebol. Ele está mais sujeito às regras do jogo de azar, sobretudo quando a qualidade das equipas em jogo é mais ou menos a mesma. Mas como só três desfechos são possíveis – vitória, derrota e empate – muita da “análise” que os nossos comentaristas de futebol fazem com ar grave na televisão não passa de charlatanismo. Na maior parte dos casos, os comentários ganham toda a sua plausibilidade porque todos nós já conhecemos o desfecho e porque quem os faz fá-los partindo do princípio de que tudo quanto acontece no jogo conduz irremediavelmente ao desfecho conhecido.

Agora, a vida quotidiana é ainda mais complicada do que o filme e jogo de futebol. Conforme dizia Albert Einstein, Deus não joga aos dados. Bom, na verdade, nem sei se o grande físico tinha razão aí. Pode ser que Deus não jogue aos dados, mas há muita coisa que acontece por acaso na vida. O problema dessas coisas que acontecem por acaso na vida é que elas podem – e costuma ser assim mesmo – ter consequências decisivas para o curso da vida. A boa notícia no meio de tudo isso é que essas coisas dão aquele toque de piri-piri à vida, sem o qual isto seria muito aborrecido. A má notícia é que não há maneira de pensar a vida sem elas. Ora, o problema de algumas análises que fazemos do nosso país consiste justamente em querer pensar a vida que lhe dá substância sem essas coisas. É uma versão ainda mais perniciosa do princípio de perfeição sobre o qual reflectia no artigo anterior. No caso da riqueza potencial do país em resultado dos recursos minerais e energéticos o erro que muitos de nós cometemos é de pensar que a descoberta desses recursos tem que necessariamente conduzir à fartura, paz e muito muthlu-thlu para matar a babalaza dos rendimentos do gáz. E se isso não acontecer é porque alguém alterou detalhes do enredo do filme.
O remédio contra esta forma problemática de pensar o país é imaginar a vida como a solução constante e repetida de pequenos erros e desvios de curso. O que torna muitos sectores da nossa população vulneráveis são os grandes desígnios – do governo e de seus críticos – que, na maior parte dos casos, estão muito além da capacidade real das pessoas. Não estou a pregar uma atitude descontraída em relação ao futuro. Estou apenas a dizer que planear a vida sem tomar em consideração o que pode correr mal (e cuja correcção está dentro das nossas capacidades) é criar as condições para nos dar a falsa sensação de estarmos no filme errado. A nossa vida não é nenhum filme errado. É.   

Colaboaração: Elísio Macamo, Sociólogo.
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