Sunday, 5 August 2012

Socorro, Moçambique pode ficar rico!:(2) As pessoas não são perfeitas

Um dos maiores problemas na análise de questões de desenvolvimento – e o nosso país não é excepção – é de partir dum princípio bastante pernicioso: o princípio segundo o qual o desenvolvimento dum país precisa de elites políticas comprometidas com o país e de povo trabalhador, honesto e consciente. O compromisso com o país caracterizar-se-ia pela integridade, altruísmo e zelo profissional. Muita discussão que ocorre no país sobre o que está mal ou bem – mais mal do que bem, a julgar pelo debate público – é estruturada por este princípio. O que corre mal, corre mal necessariamente porque as elites políticas e económicas agem de má fé e violam a norma de perfeição que o desenvolvimento exige. Felizmente, a ira vai mais para as elites políticas. O povo normalmente sai-se bem – apesar de haver muito preguiçoso, ladrão e corrupto por aí – graças à atitude condescendente dos analistas nacionais que veem no povo apenas a cauda dum peixe que tresanda de cima.

Esta é uma maneira de pensar que não parece ser de muita utilidade para entender os desafios que o país enfrenta. Mas antes de dizer porquê seria bom analisar mais de perto a morfologia do princípio da perfeição. Na verdade, este princípio não é apanágio das elites pensantes moçambicanas. Pode ser até que tenha raízes religiosas. A religião, sobretudo na sua forma monoteísta como é o caso com o Cristianismo e com o Islão, é uma solução para um problema essencialmente intelectual: como dar sentido à vida? É o reconhecimento da nossa insignificância perante o esplendor gigantesco do mundo. O problema, contudo, é que a solução que damos a este problema intelectual acaba exagerando a importância de certas pessoas, catapultando-as para posições a partir das quais só podem essencialmente fazer mal aos outros. Aqui fala o meu coração de ateu. É que a solução consiste invariavelmente em partir do pressuposto segundo o qual a nossa existência seria parte dum plano cósmico com princípio e fim. Identificado o fim, normalmente com a ideia de sociedade perfeita onde toda a gente se porta bem, não há mais problemas nem conflitos, o único que resta é obrigar toda a gente a trabalhar para esse fim.

Os momentos mais violentos da religião estão ligados a este tipo de ideia perniciosa. Igualmente, quando a solução assume forma secular – como no caso do fascismo, colonialismo, marxismo e, nos nossos dias, do neo-liberalismo – a coisa pode ficar feia com os exércitos de militantes armados até aos dentes com os seus planos missionários. O essencial nisto tudo, e imediatamente relevante à questão que pretendo levantar nesta reflexão sobre a imperfeição natural dos Homens – a malta do género que me perdoe – é que a ideia dum fim – o fim da história – implica necessariamente a possibilidade da perfeição do Homem. Logo, mesmo as coisas más que podemos fazer hoje podem ser eliminadas para que mais depressa cheguemos ao destino. Sem ser especialista na matéria sugiro que uma boa parte da teologia de São Paulo – com a sua ideia dum pecado original e da queda – se explica desta maneira. Da mesma maneira, o fervor com que o projecto revoluccionário da Frelimo produziu “inimigos” – Xiconhocas, reaccionários, pequenos-burgueses, etc. – também obedecia a esta lógica de responsabilizar alguém pela demora na conquista do paraíso. Mesmo algumas críticas que alguns de nós fazemos ao sistema político nacional e à forma como alguns académicos lidam com os problemas do país está imbuída deste sentimento milenarista que precisa sempre de bodes expiatórios.

Reconhecer a imperfeição natural das pessoas não significa aceitar a inevitabilidade da ganância, corrupção, desonestidade e oportunismo. Significa, sim, alterar os termos de abordagem do futuro do país. O nosso objectivo não pode ser de pensar o país com Homens perfeitos, mas pensar o país como ele é – e nisso igual a todos os outros neste mundo – isto é, com gente imperfeita. Dessa maneira, a nossa atenção vai incidir sobre o tipo de coisas que precisamos de fazer para, no mínimo, limitar as consequências dessa imperfeição e, no melhor dos casos, tirar proveito dela para um número cada vez maior de pessoas. Um pouco de sociologia na cabeça ajuda a contextualizar algumas das coisas da vida, creio (Continua).    
Colaboração: Elísio Macamo, Sociólogo.
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2 comments:

  1. "a esta lógica de responsabilizar alguém pela demora na conquista do paraíso".
    Essa parece uma chave essencial para qualquer avaliação sobre a história de Moçambique e da própria humanidade. Muito bom!
    Fernanda Gallo

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  2. cara fernanda gallo,
    obrigado pelo comentário. há dois livros que me inspiraram muito a este respeito:
    marie-laure susini (2008): éloge de la corruption - les incorruptibles et leurs corrumpus. paris. fayard.
    john gray (2006): black mass - apocalyptic religion and the death of utopia. londres. alle lane.
    cumprimentos

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