Aquilo que muitos políticos moçambicanos sempre sonharam parece lentamente
estar a virar realidade: os recursos naturais existem em Moçambique e podem ser
explorados com bastante proveito. As recentes descobertas de enormes reservas
de gáz no norte de país são, para quem ainda podia ter dúvidas, a confirmação
final disso. O que isso pode significar em termos de actividade económica e
interesse por Moçambique por parte de investidores estrangeiros já Tete tem
vindo a mostrar. Finalmente, esperam muitos de nós, o nosso país vai deixar de
decorar as estatísticas negativas mundiais, vai deixar de olhar para Angola com
aquele olhar de cachorro vadio que a riqueza diamantífera e petrolífera dos
nossos “irmãos” lá do Atlântico suscitava em nós e vai, ufa, se livrar dessa
burocracia internacional que vive da nossa miséria e subverte constantemente o
nosso processo político.
Ou vai? Nem todos os moçambicanos partilham estes cenários enebriantes dum
futuro melhor que vai deixar de ser slógan. Na verdade, há receios, muitos dos
quais bem fundados. Nos meios académicos utiliza-se uma expressão que resume
graficamente a base destes receios: a maldição dos recursos. A expressão
refere-se à situação de muitos países em desenvolvimento detentores de recursos
como petróleo, gáz e minerais que resvalaram para situações de conflito –
muitas vezes armado – pelo controlo desses recursos. E quando não andaram em
conflitos ficaram reféns de elites políticas rapinosas, cuja necessidade de
manutenção de poder a todo o custo acabou criando ordens políticas instáveis e
explosivas. O continente africano está cheio de exemplos desde Angola, passando
pela República Democrática do Congo até à Nigéria. Moçambique vai ter a mesma
sorte?
A julgar pela forma como se comenta a racionalidade política no nosso país
há muita gente que vê este perigo. Embora volte e meia as instituições
financeiras internacionais que dirigem os nossos destinos nos passem atestados
de bom desempenho, internamente a análise da nossa prestação – ou melhor, da
prestação do governo; melhor ainda: prestação do governo da Frelimo – não tem
sido positiva. Li vários comentários na internet, por exemplo, que por ocasião
da passagem de mais um aniversário da nossa independência usavam linguagem
negativamente forte – ladrões, corruptos, egoístas – para descrever as elites
políticas no poder. Embora esta forma de comentar a acção política seja típica
duma cultura de debate característicamente moçambicana – e cuja sociologia está
ainda por fazer – ela revela um profundo mal-estar e desconfiança em relação à
nossa capacidade – não só do governo, isto é do governo da Frelimo – de gerir
esta possível riqueza repentina.
Já se multiplicam “estudos” sobre os interesses económicos do Presidente da
República que dão conta do seu envolvimento em tudo que é negócio no país. Já
começa a ganhar corpo e forma a ideia duma elite nacional renteira ligada ao
controle do estado – no passado, nos meios académicos, falava-se de
classe-estado – por via da imposição duma versão da História do país que
destaca de forma desmesurada o protagonismo de certas pessoas. É estranho que a
descoberta de “riqueza” não constitua necessariamente boa notícia para muitos
de nós, mas apenas mais uma razão para franzirmos o sobrolho e destacarmos as
qualidades mais negativas que podemos identificar no nosso tecido social e
político. Somos um país deveras estranho. Mas justamente por causa disso acho
que seria interessante iniciar uma reflexão sobre os desafios que esta
“riqueza” nos coloca sugerindo outras formas – menos pessimistas – de abordar a
sorte que nos sorri. Para o efeito, só precisamos de três coisas: sociologia,
pensamento sociólogico, cidadania sociológica. Vindo de mim nenhuma dessas
coisas é surpreendente. (Continua)
Interessante como coloca a situacao dos recursos naturais que Mocambique possui e as possiveis consequencias da sua descoberta e exploracao. Na verdade estamos perante duas situacoes probabilisticamente nao descartaveis, ou os recursos viram maldicao ou ainda os mesmos podem alavancar a nossa economia rumo ao desenvolvimento. Entretanto a segunda hipotese e muito duvidosa analisando a historia do pais e a situacao actual. Por isso nao querendo ser pessimista e melhor acreditar numa mudanca e ao msm tempo manter agucada duvida. E um assunto q apresenta duas faces em q a outra :-(benigna) e vista com muita descrenca. Parabns peko post.
ReplyDeleteMeu estimado Elísio,apenas um comentário. Aquelas riquezas não foram "descobertas" hoje... e segundo, continuar sonhando com o desencantamento do mundo em moçambique me parece muito arrogante. Sim, só estrangeiro, mas já faz um tempo que acompanho tuas lucubrações feitas desde o Norte privilegiado e as vezes penso que Habermas te vendeu uma batata... minhas desculpas pelo grosseiro,mas um pouco de agencia não estaria mal... atenciosamente, Hector Guerra.
ReplyDeletecaro mucavele, obrigado pelo comentário. cada uma das opções é provável. interessa reflectir no que torna uma mais provável do que a outra. neste momento tenho dificuldades em me decidir por uma. daí esta reflexão em seis momentos. fiquei curioso em saber porque a história do nosso país sugere uma leitura pessimista? abraços
ReplyDeletecaro hector guerra, obrigado a si também pelo seu comentário. suponho que tenha razões muito fortes para emitir a sua opinião. a ideia deste blogue, contudo, é de se trocar impressões sobre os méritos de cada posição. nesse sentido, seria mesmo bom se evitasse este tipo de intervenção. não há necessidade de qualificar nenhuma atitude de "arrogante" nem de fazer insinuações sobre as minhas motivações pessoais. acho melhor que a gente discuta os méritos das posições que, por acaso, não dependem nem de nacionalidade, nem donde a pessoa vive. em relação à "descoberta" refiria-me ao simples facto de ter sido recentemente que se começou a aventar seriamente a hipótese de explorar esses recursos. já houve no passado, evidentemente, falsos alarmes. não percebi a observação sobre "continuar sonhando com o desencantamento do mundo em moçambique". abraços
Diz-se que quando Oliveira Salazar foi informado da descoberta de petróleo em Angola (já depois do início da guerra de libertação) teve a seguinte reacção: "Só nos faltava mais esta!"
ReplyDeletee não era caso para menos... mas isso só serve talvez para mostrar que uma boa notícia pode ser má e vice-versa. a perspectiva é sempre importante.
ReplyDeleteabraços