Tuesday 11 September 2012

As seis letras do nosso infortúnio: O de Opinião

George Bernard Shaw, o grande pensador irlandês, disse uma vez uma coisa simples, mas profunda: devemos pensar sobre as coisas, mas pensarmos nelas como elas são e não como se diz que elas são. Simples, mas profundo e extremamente pertinente. O mundo, infelizmente, vive mais de opinião do que de conhecimento. E como dizia o pensador britânico, Bertrand Russell, o facto de uma opinião ser mantida por muita gente não garante a sua veracidade; de resto, continuava ele, já que uma parte considerável da humanidade é mais estúpida do que sensata, o mais provável é que a opinião da maioria seja estúpida. Palavras de Russell, não minhas, eu sou apenas o mensageiro, ainda que assine por baixo. E assino por baixo porque o conceito, e a prática, de opinião em Moçambique incomoda-me profundamente.

Terminei o último artigo em suspense. Não era só para garantir vendas. Era um truque analítico para introduzir outra letra do nosso infortúnio nesta reflexão baseada nos “sequestros”. Escrevi lá – no artigo de ontem – que não sabia se houve sequestros em Maputo. Suponho que muitos leitores tenham conjenturado sobre o que eu queria dizer com isso. De certeza houve os que decidiram, a partir dessa confissão não substanciada, que eu estava a querer dizer que alguém anda a mentir à Polícia, que tudo foi encenação. As pessoas que tiraram esta conclusão de certeza foram mais longe e envolveram-se em debates apaixonados com os seus amigos sobre esta história mal contada de raptos que nunca existiram. Tenho também a certeza que outros leitores houveram que decidiram a partir dessa confissão que eu tinha decidido tomar partido pelo governo – por alguma razão a expressão é mesmo “tomar partido” e partido em Moçambique só há um, nomeadamente O partido e ele controla o governo. Daí ganhou facticidade a ideia de que haja um conluio qualquer para abafar o crime, porque será, em que esquemas andam os nossos governantes envolvidos?
E em poucas palavras expliquei porque o conceito de opinião me incomoda. Ele incomoda-me porque é bastante narciso. Está mais preocupado consigo próprio, isto é com o que se diz sobre a natureza das coisas, do que com as coisas elas próprias. E no nosso contexto a opinião, por ser o principal veículo que nos conduz à “verdade” das coisas, tem um estatuto desmesuradamente elevado. Ela tem o estatuto de verdade. Opinar é dizer a verdade. Texto atrás de texto, debate radiofónico ou televisivo atrás de debate radiofónico ou televisivo, comentário no Facebook atrás de comentário no Facebook, comentário a um artigo de opinião num jornal online qualquer atrás de comentário a um artigo de opinião num jornal online qualquer vão tecendo a substância dum fenómeno para além dele próprio. Fazem isso até o fenómeno não merecer mais nenhuma atenção, não interessar porque qualquer informação preciosa que pudéssimos ter sobre o fenómeno poderia comprometer a opinião que já emitimos e desequilibrar o mundo extremamente coerente e plausível que começamos a construir a partir dessa opinião.

É interessante notar, por exemplo, que a partir da “opinião”, isto é da conjentura enformada pelas nossas conclusões apressadas, sob o olhar impávido e sereno da nossa polícia e do nosso governo que não se pronuncia sobre o assunto estão a ser sequestradas pessoas de famílias afluentes em troca de resgastes chorudos. A ênfase está no papel da polícia e no silêncio do governo, não está no sequestro em si. Que a polícia aparentemente não possa falar com as “vítimas” para saber mais sobre as circunstâncias do sequestro, esconderijos, tratamento pelos raptores e a morfologia de todo o processo de exigência de resgaste não entra na equação, pois isso só confirma o que é realmente interessante na história: a polícia não está a fazer nada. Não sei porquê, mas continuo a pensar que não houve sequestros em Moçambique. Peço ao leitor para ser paciente comigo.
Colaboração: Elísio Macamo, Sociólogo.
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