Sunday 27 March 2011

Ferramentas de Sociologia[6]

Pontos de vista sobre a sociologia como profissão
A média age? Ou: porque é que um estudante não choca com um professor? (6)
Um pouco de complicação nunca fez mal a ninguém (esta é uma generalização grosseira). Eis uma. Paul Lazarsfeld, o grande sistematizador da metodologia em pesquisa empírica social, diz que grupos sociais têm aquilo que ele chama de propriedades colectivas. Um grupo social pode ser uma etnia, os alunos duma escola, a direcção duma universidade, um partido político, os vendedores dum mercado, um bando de ladrões, a equipa duma esquadra policial, etc. Propriedades colectivas têm basicamente dois valores (Lazarsfeld fala de três, mas não vou falar da terceira porque é muito complicada para explicar em poucas palavras). Um valor é o que ele chama agregado e o outro é o que ele chama estrutural. Todo o estudante de sociologia sabe o que isto significa. O valor agregado duma propriedade colectiva é uma construção estatística que não tem existência real: a média, mediana e o modo. Tudo artefactos estatísticos que caracterizam colectividades. O estudante de sociologia de universidades privadas de Maputo consome, em média, 35,6 garrafas de cerveja 2M toda a sexta-feira. Este estudante, obviamente, não existe. Mas a afirmação procura caracterizar um grupo específico. O valor estrutural duma propriedade colectiva, por sua vez, refere-se a uma relação. Isto é, alguém é uma determinada coisa em virtude da sua relação com outra coisa. O estudante é estudante porque existe uma categoria que se chama professor. Existe uma camada pobre porque existe uma camada rica. E por aí fora.
Onde está a complicação? Bom, ela está no que a combinação destes dois valores nos permite dizer com segurança sobre a realidade social. Imaginem, por exemplo, a seguinte situação: uma estudante está a caminhar pelo corredor da faculdade. Em sentido oposto vem aí o professor catedrático Pedro Hilário Devaneios. O corredor é estreito, um deles tem que ceder o caminho. PhD parte do princípio de que a estudante sabe quem ele é, e não só, ela sabe que estudante tem que ceder passagem ao professor; a estudante, por sua vez, acaba de ganhar o concurso de Miss Melhor Tese Supérflua, é bela e bem mulher e, acima de tudo, sabe que os homens estão sujeitos ao código das boas maneiras disposto pelo cavalheirismo. Comecem a pegar a cabeça com ambas as mãos, pois a colisão é eminente. Vamos complicar ainda mais. PhD conhece as regras de cavalheirismo, em último minuto dá-se conta de que vem em sua direcção a estudante de quem se fala no bar dos professores (entre assobios), parte do princípio de que ela não vai de certeza se orientar pelo código informal da universidade que dá prioridade a quem tem que acarretar com o peso dos títulos pelo que o mais provável é que ela se mantenha em rota. Faltam 4 passos. A estudante, por sua vez, apercebendo-se de que se trata do grande professor catedrático, famigerado pelo cuidado que ele sempre tem de informar a todos que não o querem ouvir o que significa ser professor catedrático, mas tem o hábito de dar boa nota a estudantes bonitas para demonstrar a imparcialidade dum verdadeiro académico (a tese é: deixa passar mesmo estudantes bonitas), decide que o melhor é mudar de rota. Depois é o BUM, ou não.
John Maynard Keynes, o grande economista britânico que pregou a intervenção correctiva do Estado na economia, uma vez deu um exemplo pertinente. Ele referiu-se a um concurso num jornal que exigia que os concorrentes identificassem as seis caras mais bonitas dum conjunto de cem fotografias. O vencedor seria aquele cuja escolha estaria mais próxima da média de preferências de todos os concorrentes. Já podem imaginar o problema. Para ganhar, não posso partir do princípio de que as minhas preferências estarão próximas da média. Para ter hipóteses de ganhar tenho que escolher aquelas caras que eu acho que correspondem à média. Mais um problema aqui, pois os outros vão pensar a mesmíssima coisa (se forem indivíduos racionais). O mais seguro para ganhar não é nem escolher as caras que considero mais bonitas, nem as que considero serem próximas da média. O mais seguro é antecipar o que a opinião média considera ser a opinião média. Mais seguro ainda é considerar o que a opinião média considera que a opinião média considera ser a opinião média. E por aí fora. Complicado.
O mais incrível, porém, é que estudantes raramente chocam com professores. Porquê? Provavelmente porque, apesar de tudo, o senso-comum intervém de forma forte na regulação do nosso quotidiano. Alguns de nós gostam de sugerir que o sociólogo é aquele que ultrapassa o senso-comum. Bom, é verdade, mas também não. O sociólogo deve procurar entender a estrutura deste senso-comum e como ele se manifesta no comportamento dos indivíduos. A sociedade produz-se a si própria e é pelos seus meios que também resolve tudo que é problema. O sociólogo não estuda a sociedade para ajudá-la a resolver seja o que for. Estuda-a para perceber como ela se produz e reproduz (criando e resolvendo problemas). Se é que a sociedade existe, claro.
Colaboração: Elísio Macamo.

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