Monday 14 March 2011

Ferramentas de Sociologia [4]

Pontos de vista sobre a sociológica como profissão

Como é que o sociólogo pode falar do quê? Ou: Weber existiu?(4)
Esta pergunta é difícil. Dificílima. Isto é, em parte, porque ela é algo vaga. Vou tentar ser mais concreto. Nas aulas de sociologia ouvimos os professores a falarem de Max Weber, Émile Durkheim, Georg Simmel ou W.E. Du Bois. São nomes de pessoas que viveram lá para os tempos. Nunca nenhum de nós (incluíndo os professores de sociologia que falam sobre estes indivíduos) viu-os. Como é que nós, ao falarmos destes indivíduos, temos a certeza de que estamos a falar da pessoa de carne e osso dona desse nome? Com que legitimidade podemos falar desse pessoal? Podemos? Mesmo se disséssimos que nos referimos a pessoa a quem se deu esse nome no passado havia de restar ainda o problema de distinguir essa pessoa de muitas outras que existiram no passado e, de certeza, tiveram esse nome também. A resposta a esta pergunta é central para a justificação do procedimento metodológico na sociologia.
Nós podemos responder à pergunta sobre se o Weber de que estamos a falar é o Weber que temos em mente e que viveu na Alemanha entre o século passado e o antepassado simplesmente acrescentando que nos referimos ao Weber sociólogo. Houve outros Weber, provavelmente carpinteiros, sapateiros, advogados, médicos, etc. O Weber a que nos referimos é o Weber sociólogo. Se tiver havido mais Weber sociólogos, então referimo-nos ao Weber sociólogo que escreveu “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. E aqui surge outra pergunta: como é que sabemos que o Weber sociólogo a que nos referimos é o autor dessa obra? A obra podia ter sido da autoria dum dos estudantes dele que ele simplesmente plagiou e colocou no mercado como sua obra. Podia, como sempre, continuar a complicar a história, mas não há necessidade. Quando nos referimos a alguém – e já agora, quando nos referimos a seja o que for – temos em mente o indivíduo que satisfaz um certo número de critérios descritivos com os quais associamos o seu nome. Os filósofos chamam a isto de teoria da descrição ou da satisfação, mas não vou entrar nisso, nem agora, nem nunca.
Na actual reflexão sobre a pesquisa empírica social tem se falado muito deste problema. A noção central nesta discussão é a de “substantivos próprios”. Sociólogo, por exemplo, é um substantivo próprio. Para que um substantivo próprio tenha utilidade precisa de se articular com algumas descrições. Sociólogo é alguém que se formou em sociologia, produz trabalho considerado sociológico, é, talvez, académico, está familiarizado com as teorias e metodologias da sociologia, etc. Deste modo, se queremos determinar se o Weber de que falamos é o Weber que existiu realmente o único que precisamos de fazer é conferir se ele satisfaz essas condições. Mais importante ainda é identificarmos um aspecto particular desse conjunto de descrições que distingue (ou particulariza) o Weber que temos em mente. Mesmo na eventualidade de algum historiador vir a descobrir um dia que “A Ética Protestante...” não foi escrita por Max Weber, podemos mesmo assim dizer que ao falarmos de Weber referimo-nos ao indivíduo que se supõe ter escrito essa obra.
Dizia mais acima que a resposta colocada é crucial para a justificação do procedimento metodológico sociológico porque ela revela uma qualidade fundamental do conhecimento sociológico. A descrição que nós fazemos da realidade está virada a dizer em que circunstâncias determinada coisa é como é. Se parece complicado é porque é. Quando eu, por exemplo, constato que a polícia de Moçambique é corrupta não me comprometo apenas a usar o termo “corrupção” com cuidado. Usar o termo com cuidado significa certificar-me do facto de o termo se referir a um conjunto de descrições (aceitar dinheiro em troca de ignorar uma infracção; aproveitar-se da posição de poder para obrigar pessoas a pagarem dinheiro em troca da condescendência do agente policial, etc.) que eu posso articular com o comportamento de agentes policiais reais. Mas não só isto. Comprometo-me também a descrever as circunstâncias (sociais) dentro das quais o comportamento considerado corrupto se torna possível. Neste sentido, o simples acto de receber dinheiro de alguém em troca de fechar os olhos perante uma infracção não é necessariamente corrupção. Ou melhor, a força normativa que o conceito de corrupção tem vem à superfície quando eu descrevo o quadro jurídico que torna ilegal essa conduta. E mais: a descrição fica mais completa ainda quando sou capaz de identificar o tipo de polícia, o tipo de membros do público e o tipo de situação em que essa ocorrência é mais provável. O trabalho dum sociólogo é essencialmente descritivo. É na descrição (e na elucidação dos termos dessa descrição) que o sociólogo pode falar do quê das coisas.

[E. Macamo].

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