
E esta atitude desdobra-se em muitas outras. Se aplicássimos os mesmos padrões de competência e zelo profissional que achamos em falta no trabalho das nossas instituições – refiro-me, neste caso, à polícia – muitos de nós devolviam, com vergonha, o salário. Juro, palavra de honra! Devolvíamo-lo com vergonha na cara. Então, para fechar esta mini-série sobre algo que aconteceu, mas pode não ter acontecido, ou pelo menos não da maneira como dizem que aconteceu, se tiver acontecido, o que a gente não sabe porque a gente não dispõe de informação, ou melhor, a informação pede socorro à medida que se vai afogando no Costa Concordia da opinião, esse mal moçambicano que põe o nosso país à deriva, enfim, dizia eu que para fechar a reflexão ocorre-me tecer algumas considerações sobre a letra I e seu embaixador plenipotenciário na terra, a saber a Integridade. Não me interessa a vertente da “integridade” que cruza campos semânticos com a corrupção, esse outro grande artefacto da nossa imaginação. Interessa-me a noção de integridade como relação narcisa, isto é como a relação que estabelecemos connosco próprios.
Se é verdade que o país ganha existência a partir da forma como dele falamos ou nele pensamos – vou partir do princípio de que é porque eu é que apresentei este pressuposto – então tem que ser verdade também que falar e pensar sinceramente sobre o país são condições essenciais de produção dum país com o qual nos podemos identificar sem problemas. Nessa ordem de ideias, o grande desafio da esfera pública não pode consistir em produzir o relato mais coerente do que julgamos ser, nem mesmo consistir em explicar melhor seja o que for. O grande desafio devia ser de produzir relatos e explicações que nos satisfaçam a nós próprios antes mesmo de os partilharmos com seja quem for. Francis Bacon, um grande pensador britânico, que dedicou a sua obra intelectual ao combate do que impede as pessoas de pensarem bem, disse – e eu concordo, senão não o citava – que da mesma maneira que o que nos torna fortes e saudáveis não é o que comemos, mas sim o que digerimos, que o que nos torna ricos não é o que ganhamos, mas o que poupamos, que o que aprendemos não é o que lemos, mas o que retemos, portanto da mesma maneira que essas coisas são assim é também assim que não é o que professamos que nos torna íntegros, mas sim o que fazemos no dia a dia. E sobretudo, acrescento eu, quando ninguém está a olhar.
E para usar o texto padrão dos que me interpelam por email ou mensagem Facebook a propósito do meu silêncio em relação a assuntos da actualidade, nomeadamente “para quando uma reflexão sobre x e y?” pergunto-me também para quando a abordagem dos problemas do país a partir da introspecção? Para quando o interesse pelos factos? Para quando a rejeição da diferença negativa? Para quando a desconfiança em relação à opinião? Para quando o repúdio da culpabilização dos outros? Para quando pensar os méritos dum caso e tirar conclusões a partir dele? Para quando a cidadania? Por pouco perguntava “para quando o patriotismo?”, mas aí deitava tudo (o que resta) por terra. E isso é coisa que não quero fazer, portanto termino mesmo por aqui.
Colaboração: Elísio Macamo, Sociólogo.
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