Monday 21 February 2011

Ferramentas de Sociologia [1]

Pontos de vista sobre a sociologia como profissão

O princípio da sociologia, ou: a selecção nacional existe? (1)
Sociologia é o que faço quando não estou ocupado com o futebol. E o futebol ocupa mesmo. Quase todos os dias há jogos na televisão: liga dos campeões, taça UEFA e vários campeonatos nacionais. Youtube está repleto de golos, ambientes nos estádios, entrevistas com jogadores e treinadores. E não só. Há vários “sites” desportivos com noticiário e, acima de tudo, com vários fóruns de discussão. Não participo nessas discussões, mas dá-me muita satisfação ler os mesmos argumentos, os mesmos vaticínios e os mesmos insultos. Futebol é a uma vida completa. Dedico o pouco tempo que me resta depois do futebol à sociologia. Quando há conflito, ganha o futebol.
Nem sempre posso assistir futebol. E aí surge uma questão que me parece relevante para a sociologia. Diria até que a resposta a essa questão expõe o princípio da sociologia. É o seguinte: por vezes dou em mim a pensar se o jogo de futebol que eu não assisti teria tido um resultado diferente se eu o tivesse assistido. Ou o contrário. Sei que há um pouco de megalomania nisto, mas qual é o adepto de futebol que não é megalómano? Do ponto de vista filosófico a questão envolve a noção de solipsismo, isto é a ideia de que o mundo existe apenas na minha imaginação. Eu sou a única pessoa no mundo e o que existe é apenas função da fertilidade da minha imaginação. Mas será? Afinal, mesmo se o resultado do jogo fosse diferente ele não dependeria do resultado que eu preferiria. Pode ser que eu imagine o jogo acontecendo. Mas a forma como ele se desenrola depende de algo intrínseco ao próprio jogo. Portanto, o jogo parece ter uma existência independente de mim.
Vamos complicar as coisas um bocadinho. Suponhamos que estou no novo Estádio Nacional em Magoanine a assistir ao jogo dos Mambas contra as Palancas Negras (selecção nacional de Angola). Reconheço os Mambas (ou as Mambas? Ou ainda Timamba?) pelas cores do seu equipamento, por alguns (ou todos) dos seus jogadores, pelo treinador, pela forma como reagem ao Hino Nacional, pela forma como o público os acarinha, enfim, por todo o tipo de coisas que fazem deles algo único e especial. Mas reparem uma coisa: as cores, o treinador, os jogadores e mesmo a simpatia dos adeptos mudam ao longo do tempo. Mesmo o Hino! E mesmo assim continuo a reconhecê-los como a equipa nacional. Aqui me pergunto: donde vem a minha certeza? E se durante o jogo – apenas por hipótese – os onze jogadores no campo sumissem de repente para reaparecerem no instante seguinte, o que me daria o direito de afirmar que ainda é a mesma equipa em campo? Isso acontece. Eu posso estar entretido a digitar uma SMS, a comprar amendoim ou a discutir com alguém sentado atrás de mim que tem aquela aflição que nos meios futebolísticos se chama de “madoença” (e consiste em imitar inadvertidamente os gestos dos futebolistas, incluindo chutar... a pessoa sentada mais abaixo). E aí?
Já que estamos com a ideia do princípio da sociologia vou fazer recurso a um filósofo que também usou esta palavra (os filósofos usam sempre esta palavra). Acho que nos pode ajudar. O filósofo em questão chama-se Leibnitz e ele falou do princípio activo de unidade. O argumento dele é simples. Para que uma coisa continue igual a si própria precisa deste princípio. No nosso caso, aliás no meu caso, este princípio manifesta-se através da regularidade. A equipa nacional permanece a equipa nacional apesar de todas as lacunas que possam surgir porque a percepção que eu tenho dela se apoia na regularidade das suas manifestações. Nestas frases compactas estão contidas várias ideias que precisam, em devido tempo, de ser destrinçadas. Por enquanto vamos ficar por aqui. Aliás, vamos concluir que o princípio da sociologia é a regularidade. O que é a sociedade senão a percepção que cada um de nós tem da regularidade das suas manifestações? Fazer sociologia, neste sentido, é justamente trazer à superfície os elementos que alimentam (estúpida aliteração) a nossa percepção de regularidade. O princípio vale para tudo: indivíduos, grupos, fenómenos, etc. Donde vem a certeza que o Patrício Langa que vejo hoje é o Patrício Langa que vi ontem e o mesmo que verei amanhã (se Deus quiser)?
[E. Macamo]

10 comments:

  1. para que eu possa dar a minha opiniao em relacao este texto preciso antes perceber muito bem o conceito de regularidade em sociologia, e isso nao me foi claro. por favor explique-me.

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  2. olá,
    obrigado pela sua reacção. na verdade, não existe um conceito de regularidade em sociologia, ou se existe não a ele que me refiro no texto. a ideia básica que tentei desenvolver gira em torno da impressão (ou convicção) que temos de que o contexto que nos envolve (a sociedade, portanto) é o mesmo no espaço e no tempo. há qualquer coisa que faz de moçambique moçambique e essa coisa está na forma regular como a ideia que associamos a moçambique se apresenta. refiro-me, portanto, à rotina, à continuidade das nossas expectativas, à estabilidade das coisas. refiro-me a tudo que nos permite dizer, por exemplo, que o patrício langa não pode ser o patrício langa que conhecemos se ele se comportar duma maneira que não corresponde à ideia que temos dele.
    espero que a ideia esteja agora mais clara. talvez os textos que se seguem ajudem a perceber.
    cumprimentos

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  3. olá´, nao tem de que agradecer o espaco é mesmo nosso. partindo da sua ideia que Mocambique tem algo que para nos é regular como a rotina, a continuidade, etc imaginemos que o nosso Mocambique mude de nome e continue com as mesams caractéristicas que nos convencem que realmente e Mocambique. como e que podemos enquadrar a nossa nimpresseo ( convicçao)?

    no exemplo do Patricio, do meu ponto de vista ele poderá ser sim o mesmo Patricio por mas que ele nao tenha o comportamneto que eu esperava que ele tivesse, pois o que me da a certeza que ele e o Patricio e o proprio nome, a sua aparencia entre outras coisas. nao se deixa de recohecer a pessoa por causa do seu comportamento. penso eu que, o meu argumento é´que se enquadraria melhor ao conceito de conviccao.

    comprimentos

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  4. Caro Professor

    Excelente artigo.

    O mundo existe na minha imaginacao, na tua imaginacao, na imaginacão dele até termos a ideia da nossa imaginacao. A minha imaginacao pode ser vista como a nossa imaginacao. A independencia do jogo em relacão a mim, não retira a minha imaginacao sobre o jogo.

    Acho o tema bastante interessante. prometo voltar

    Rildo Rafael

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  5. olá ondina,
    a questão da mudança de nome é abordada num dos próximos textos. peço-lhe para ter paciência. quanto ao patrício langa estou de acordo consigo, embora a questão levante o problema de saber se existe algo essencial que define as pessoas. alguns acham que sim, outros acham que não. abordo esta questão também mais adiante. de qualquer maneira, o mais importante é colocar as nossas convicções no centro da problemática de reflexão sobre a natureza da sociedade. neste sentido, concordo com a sugestão do rildo (olá rildo) em relação à imaginação. não quero enveredar pelo caminho do construccionismo e sugerir que o mundo só exista na nossa cabeça. acho que é importante, apesar de tudo, insistir na existência independente do mundo. mas aqui vale também o mesmo reparo metodológico: colocar a imaginação no centro da nossa reflexão. o que nos leva a supor tudo isto?
    abraços

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  6. Olá, Ondina, Rildo e Elísio.
    A preocupação da Ondina parece-me legitima. Quer dizer, têm razão de ser. Como lidamos com ‘coisas’ que permanecem as mesmas, mesmo quando mudam? Lembra-me o adágio segundo o qual nunca se toma banho duas vezes no mesmo rio, pois suas águas estão sempre naquela viagem perpétua. A questão fundamental, e até certo ponto filosófica (ontológica), tem a ver com a ideia de saber se existe uma essência das coisas. Por exemplo, um patrício langa perene. Talvez, o seu código genético. Se chegássemos a esse nível de minuciosidade, ainda estaríamos a falar da ‘pessoa’ (mascara) de patrício langa que achamos conhecer? Existe uma unidade mínima que define a existência das coisas? Existe uma unidade mínima (de observação) que define a existência da sociedade? Essa questão, como refere o Elísio, não têm uma resposta definitiva. Uns acham que sim outros que não. Por um lado, enquanto ‘ser biológico’ penso que existe algo que define a existência de patrício langa independentemente do que nós (ele incluído) sentimos ou pensamos que seja P.L. Por outro lado, enquanto ‘ser social’ o patrício langa não é, está sendo.
    Abraços

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  7. caro patrício,
    acho que esse é um bom resumo da questão. é importante ter isto em mente como ponto de partida para a definição do objecto da sociologia. a ideia geral que se tem da sociologia é de que ela estuda a sociedade. tudo bem, mas o que isso implica? cada estudante de sociologia deve ser encorajado a reflectir sobre as implicações do estudo da sociedade.
    abraços

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  8. Caro Patricio,
    A minha percepcão da ideia do prof. Macamo foi de que mesmo que sociologicamente o Patricio Langa estiver sendo, a representacão mental que o individuo que te conhece contiunará a ter contem sempre uma regularidade ou uma previsibilidade a ponto de, por exemplo, se cometeres um homicidio esse individuo dizer "não pode ser o Patricio que eu conheco"

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  9. Patricio Langa2 March 2011 at 08:41

    Caro anónimo
    Neste espaço vamos tentar evitar a politização, assim como alguns vícios na arte de argumentar, que caracteriza(va) o debate na blogosfera em Moçambique. Achamos que não há razões para nos escondermos por detrás do anonimato. Afinal estamos a debater sobre a própria sociologia enquanto disciplina e profissão. Aqui ninguém está a partida errado ou certo. Queremos todos aprender debatendo, questionando e exercitando a pratica reflexiva com compostura, prudência e respeito pela diferença.
    Obrigado pelo seu comentário.

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